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Leigos Missionários Combonianos

Servindo a Missão ao estilo de S. Daniel Comboni

Leigos Missionários Combonianos

Servindo a Missão ao estilo de S. Daniel Comboni

A Missão tambem doi... é assim o amor!

 

 

“sou uma convidada a participar nesta missão do Senhor...

por isso e tudo o mais dou graças a Deus!” 

 

MONGOUMBA é uma missão no coração da selva, que faz fronteira com o Congo-Brazzaville e Congo democrático. Está ladeada por dois grandes rios, Lobaye e Oubangui, que desaguam no Rio Congo e que isolam a missão do resto do país. Mas Mongoumba também é uma fronteira missionária, já que é caracterizada por uma realidade de primeira evangelização, no contacto com o povo pigmeu-Aka.

 

 

Numa pastoral de proximidade com o povo pigmeu-Aka a nossa ação desenvolve-se sobretudo nas áreas da saúde e educação. Do meu trabalho no âmbito da sensibilização para a saúde faz parte a visita periódica aos acampamentos o que tento fazer sempre que posso, mas não faço com a frequência que gostaria.

 

“a experiencia deixa as suas marcas

devido à nossa impotência/incapacidade

perante as condições de vida desta gente tão simples

que vive e morre tendo como cama duas folhas de palmeira

e um pequeno pano para se cobrir.”

 

Nos últimos meses visitei alguns doentes que habitam em acampamentos próximos, mas a experiencia deixa as suas marcas devido à nossa impotência/incapacidade perante as condições de vida desta gente tão simples que vive e morre tendo como cama duas folhas de palmeira e um pequeno pano para se cobrir. Foi o caso de Telapé e da sua mãe já idosa, ambos doentes em estado grave, regressados ao acampamento depois de algumas semanas passadas na floresta. Fui chamada para os visitar devido à relação próxima de Telapé, com a missão, desde há alguns anos. Antes de partir tinha passado por nossa casa para vender uns pés de bananeira e pedir um pouco de sal. Tentei dissuadi-lo de ir, mas o apelo da floresta sobrepõe-se a tudo!

 

 

Fui encontra-los numa pequena cabana construída pelos vizinhos, deitados por terra em cima de duas folhas de palmeira; desidratados, magros e com feridas, algumas de lesões antigas de lepra. Devido ao estado em que se encontravam foi decidido, de acordo com o chefe do acampamento, não os transportar para o hospital. Lavamos e desinfetámos as feridas… deixei alguns medicamentos, soro para reidratação oral e arroz… regressamos a casa pedindo a Deus que não chovesse.

 

“Vivemos numa realidade dura que não podemos mudar,

mas gosto do país, gosto das pessoas, gosto do que faço”

 

Como tinha ficado combinado voltei passados dois dias. Mal desci do carro vieram dizer-me que o Telapé tinha morrido, mas não, ainda respirava, mas estava agonizante e morreu pouco depois; ao lado a mãe estava um pouco melhor, mas ainda em estado crítico. A família e vizinhos preparavam o hangar para as cerimónias fúnebres…

Vivemos numa realidade dura que não podemos mudar, mas gosto do país, gosto das pessoas, gosto do que faço.

 

 

Há dias bons e outros menos bons, por vezes muitas dúvidas quanto a este projeto, de que sou apenas um instrumento no terreno, sou uma convidada a participar nesta missão do Senhor... por isso e tudo o mais dou graças a Deus!

 

Élia Gomes, LMC na República Centro Africana

 

Acontecimentos que nos tocam “Mamam Odete”

 

"O misticismo envolve-nos,

apesar dos vários anos de evangelização."

 

Seculo XXI, no coração de Africa, há coisas que acontecem como se o tempo não tivesse passado e continuássemos em plena idade média. À ciência como a conhecemos e estudamos sobrepõem-se valores culturais, mas sobretudo crendices que são utilizados para justificar atos contra a vida humana. Os meios de diagnóstico são nulos e toda e qualquer doença, mesmo o paludismo,… é considerada como mística.

 

O misticismo envolve-nos, apesar dos vários anos de evangelização. As pessoas acusadas de bruxaria, sobretudo idosos ou viúvas sem apoio familiar, correm o risco de serem apedrejados ou enterrados vivos, muitos morrem. Quando entregues à justiça ficam protegidos da população, mas são julgados em tribunal como prevê a lei do país.

 

 

A Odete, viúva, idosa, pobre, acusada de bruxaria foi julgada e cumpriu dois anos de prisão. Sem um verdadeiro apoio familiar, apenas uma filha que apesar de casada não tem capacidade para a proteger e cuidar, desde julho de 2012 estava com a Irmãs da Caridade (Calcutá) em M’Baiki. Várias vezes pediu para a trazermos para Mongoumba, sempre recusamos alegando falta de um lugar para a acolher.

 

Com muitos pedidos e lagrimas alegando saudades da filha, convenceu as Irmãs que lhe pagaram a viagem e num fim de tarde do mês de Agosto chegou a nossa casa dizendo que vinha para visitar a filha que mora numa aldeia do outro lado do rio, a cerca de 20Kms, mas como o autocarro vinha para Mongoumba… passou a noite no Centro de Reabilitação e na manhã seguinte partiu de mota, com o Hilaire (animador Caritas), que a deixou em casa da filha.

 

Apenas se passou um dia e o Hilaire, preocupado veio ter connosco para nos dizer que um jovem lhe havia contado como a população, que não aceitando a presença da “bruxa”, a tinha obrigado a partir em piroga, assim como à filha e genro, com destino a aldeia onde antes residia e tinha sido acusada. Pararam numa outra localidade para passar a noite, também aí a população se mostrou hostil, mas foram protegidos e acolhidos por um responsável da comunidade católica. Quando o Hilaire chegou para se informar da situação, já a família tinha partido. Regressou indignado com o comportamento das comunidades que de forma sistemática expulsaram idosa. Na sua aldeia nem tiveram oportunidade de sair da piroga, ameaçados por uns e protegidos por outros conseguiram descer o rio e chegaram a Mongoumba… e eis-nos de novo com a Odete, desta vez acompanhada da família.

 

 

Foi decidido que passariam a noite no Centro de Reabilitação, que a filha e o genro partiriam para casa na manhã seguinte e a Odete regressaria a casa da Irmãs uns dias mais tardes quando fossemos a M’Baiki. Não foi tão simples como pensávamos, as coisas complicaram-se e acabaram por se passar de forma diferente.

 

"... mesmo a maioria dos nossos fiéis de Domingo

corrobora a opinião geral de que as bruxas têm de ser punidas."

 

Domingo, preparávamo-nos para a missa quando o telefone tocou era um dos nossos empregados a dizer que alguns jovens se tinham reunido e ameaçavam a senhora, filha e genro, que tinham saído para tomar o pequeno-almoço, exigindo a sua partida imediata da vila. Enquanto eu fiquei tentando contatar alguém para nos ajudar a Teresa saiu ao encontro dos visados tentando evitar o pior, acabamos por nos encontrar todos no Centro. Enquanto fechava a Odete e família numa sala a minha colega tentava dialogar e acalmar os ânimos, mas os jovens não paravam de chegar e entre muitas coisas desagradáveis que foram ditas uma tocou-nos diretamente “partam, pois são vocês os brancos que estragam a nossa terra”. Durante algum tempo respeitaram o portão fechado, mas um mais agressivo acabou entrando seguido de mais de uma vintena, quase todos armados de paus, gritando e injuriando. O que mais se ouvia era: “ que a bruxa parta, pois ela vem para matar as nossas crianças”. Entretanto tinham chegado algumas pessoas que nos ajudaram, evitando que os jovens entrassem na sala onde estava a Odete. Num país em guerra sem uma autoridade visível acabamos por chamar a policia (sem nenhum poder nem armas) e o capitão da Seleka ( a força militar então no poder ). Em conjunto com o vice presidente da Câmara foi decidido que a família ficaria à guarda dos militares da Seleka até à sua partida de Mongoumba que os jovens, um pouco mais calmos, continuavam a exigir e assim nesse mesmo dia a Odete regressou a casa das Irmãs e a filha á sua aldeia.

 

 

Quanto a nós tomamos a decisão de encerrar temporariamente todas as atividades da missão, numa terra onde reina a impunidade, onde podemos ser atacados a qualquer momento por jovens incontroláveis, onde nestes casos de bruxaria estamos quase sós na defesa dos acusados, pois mesmo a maioria dos nossos fiéis de Domingo corrobora a opinião geral “ as bruxas têm de ser punidas, têm de partir, não podem continuar no meio de nós”…. Não podíamos continuar como se nada tivesse acontecido, afinal os jovens invadiram um espaço da missão (o Centro de Reabilitação)! Tomamos a decisão e o assunto foi tratado em reunião da câmara com todos os responsáveis ainda em exercício, ou seja: chefes de bairro, responsável dos jovens, etc. donde saiu uma delegação pedindo que retomássemos as atividades, o que fizemos. Os nossos “serviços” estiveram fechados apenas uma semana! 

 

Hoje, passados alguns meses, a Odete continua com as Irmãs e quando a visitamos já não pede para vir Mongoumba só nos pede para lhe darmos notícias da filha.

 

Por: Élia Gomes, LMC na RCA