Deus protege Mongoumba!
"...onde está o bem comum está Deus!"
Quatro meses passados sobre o golpe de estado na RCA o clima de insegurança e medo continua bem presente em todo o país sobretudo na capital onde, apesar da presença dos militares da FOMAC que são apoiados pelos franceses no patrulhamento da cidade, é raro o dia em que não se ouvem tiros, há muitas armas em circulação, em quatro meses o número de “militares do movimento” Seleka aumentou de 6000 para 25 000! Muitos serviços não funcionam, os bancos não têm dinheiro, os funcionários não recebem salário… Muitas zonas do país sofrem os efeitos de pilhagens sucessivas o que aumenta o nível de pobreza das populações que se antes dos conflitos pouco tinham, agora nada têm.
Apesar do esforço de algumas ONGS, que correndo o risco de ficar sem carro, tentam apoiar as primeiras localidades que foram afetadas ainda há muitos serviços de saúde sem medicamentos e muita gente, sobretudo crianças, que passam sérias dificuldades alimentares, sendo que o número de crianças malnutridas tem aumentado em todo o país.
A província onde me encontro, Lobaye, foi das que menos sofreu com os acontecimentos e a nossa localidade de Mongoumba ainda menos devido a sua situação geográfica que nos isola do resto do país, temos por um lado as fronteiras com a RDC e RPC e por outro lado o rio, que apenas se pode atravessar entre as 7 e as 17hs de batelão para os carros, ou em piroga para pessoas e motos.
"...ficamos juntos, apoiando-nos mutuamente e rezando."
Apesar de não termos sido afetados diretamente, fomos e continuamos a ser influenciados pela incerteza quanto ao dia de amanhã.
O pânico é irracional! Muitas famílias de Mongoumba procuraram refúgio na floresta, para onde levaram todos os seus bens, inclusive porcos e galinhas… Nós, na missão, também o sentimos, mas não fugimos, ficamos juntos, apoiando-nos mutuamente e rezando. Como toda a gente também nós escondemos, onde e como podemos, o que no momento consideramos ser de maior valor. Escondemos dos militares/rebeldes, mas acabamos por ser “roubados” por outro tipo de rebeldes, no dia em que fomos recuperar os nossos preciosos bens alguns tinham sofrido sérios danos: a lona da nossa viatura estava parcialmente destruída assim como os sapatos do jovem padre, atacados por um “exército” de térmitas…
Apesar das várias “visitas” de militares a Mongoumba nada de grave aconteceu. Os primeiros a chegar foram os militares do governo deposto, dirigiam-se para o Congo, mas a sua presença não era tranquilizadora, mesmo se o capitão do destacamento de Mongoumba assegurasse que não havia qualquer risco temia-se que os soldados em fuga se apropriassem de alguns bens, mas seguiram viagem de forma pacífica! O capitão e o comissário da polícia com o apoio do presidente da camara decidiram controlar as entradas e saídas da localidade ficando o “bac” (batelão) atracado na margem do nosso lado e todas as pirogas escondidas. Impossível entrar ou sair e sem rede telefónica, ficamos completamente isolados. Tive a chance do meu antigo número do Congo continuar ativo ainda deu para comunicar com Portugal, mas fiquei sem saldo!
"... presidente da camara não abandonou o lugar
e durante este tempo de crise manifestou-se como
alguém capaz de se sacrificar pelo bem da população."
A primeira visita dos elementos Seleka foi anunciada, pois como chegaram de noite não havia bac e tiveram de esperar pelo dia seguinte para atravessar o rio, tendo sido acolhidos pelo presidente da camara. Passaram um dia em Mongoumba e não molestaram nem pessoas nem bens, apenas esvaziaram o depósito da alfândega e levaram os carros que estavam à guarda dos militares. Partiram levando com eles todas as forças de segurança de Mongoumba, ficamos desprotegidos! Ao longo de todo o mês de abril houve muitas idas e vindas, para procurar armas e fugitivos, para ver e conhecer, mas sempre recebidos pelo presidente da camara que não abandonou o lugar e que durante este tempo de crise se manifestou como alguém capaz de se sacrificar pelo bem da população. A sua condição de muçulmano favoreceu a ação que levou a cabo, na defesa da sua gente das pilhagens sistemáticas que sofreram outras populações. Uma pessoa capaz de se sacrificar pelo bem comum …e onde está o bem comum está Deus.
Presentemente Mongoumba conta com um pequeno destacamento, sendo que no centro apenas estão cinco militares que não criam problemas, mas que as gentes evitam. Há dias alguém dizia e eu estou de acordo:“Deus protege Mongoumba”!
Sem acesso aos meios de comunicação a que estamos habituados, vivemos cada dia na expetativa da notícia mais recente ouvida por alguém e recontada, nem sempre correspondendo ao acontecimento real. Passamos os primeiros dias limitados ao espaço da missão e as primeiras saídas foram em mota, com o carro só começamos a sair em Junho, máxima discrição, não dar nas vistas, não chamar atenção para a nossa presença, o que ainda hoje nos é pedido na cidade.
Vir à capital não é fácil, mas graças a Deus não temos tido problemas. Questionamo-nos se é pelo facto de sermos brancos ou missionários. Para facilitar a passagem nas várias “portagens”, sem ter de pagar as “formalidades”, apresentamo-nos como “ os padres e irmãs de Mongoumba” e com um sorriso mostramos sempre a mesma ordem de missão, tem dado resultado!
Na cidade fazer fotos é um desafio que os meus companheiros não me autorizam, dizem que não querem correr o risco de ser baleados… enfim, tive de desistir!
Por: Élia Gomes, LMC na RCA