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Já lá vai algum tempo… nós sabemos. Porém, os frutos da actividade prática de Missão para Voluntários Missionários proposta pela FEC – Fundação Fé e Cooperação – estão ainda bem presentes nas vidas das nossas LMC Maria José Martins e Nelly Gomes, que tiveram a possibilidade de nela participar. Esta actividade decorreu entre os passados dias 7 e 10 de Junho na Casa de Saúde do Bom Jesus (Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus) em Braga. Hoje partilhamos a entrevista que fizemos à Maria José, sendo patentes em todas as suas respostas a sua emoção e orgulho em ter feito parte de uma actividade como estas.
Carolina Fiúza - Maria José sabemos que estiveste 4 dias em Braga na actividade prática de Missão para Voluntários Missionários em Braga. Em que consistiu a atividade prática? O que faziam? Como era o programa diário?
Maria José - Ora bem, nós quando chegámos lá fomos organizados em grupos de dois pertencentes a ordens diferentes e decidiram mandar-nos para vários serviços: serviços com acamados que tinham problemas profundos. Eu fiquei com um jovem e fui parar ao serviço em que estavam pessoas que tentaram o suicídio, pessoas com graves problemas familiares e que ficaram afectadas mentalmente. Era um serviço com variadíssimas faixas etárias: tínhamos uma senhora com 90 anos que me encheu o coração porque era a senhora dos abraços e dos beijinhos e eu também sou de abraços e beijinhos. Então ela abraçava toda a gente e, quando ia à missa, abraçava todos; procurava todos nós do grupo para poder dar abraços e dizia «Eu gosto tanto de si! Eu gosto tanto de si!». Então, essa foi uma senhora que ficou marcada para todo o grupo, embora fosse do meu serviço. Nós levantámo-nos e tínhamos o pequeno-almoço às 8h e às 8h30 íamos para os serviços. Cada qual para o seu serviço, para darmos os pequenos almoços, estarmos presentes pelo menos nos pequenos almoços dos utentes.
Depois, durante a manhã nos estávamos com os utentes e com eles íamos conversando. Eles vinham ter connosco. Nós estávamos na parte só das mulheres. Haviam pessoas que já lá estavam há 20 anos, outras que não sabiam há quanto tempo estavam porque, depois de fazerem os seus tratamentos, as irmãs averiguavam o ambiente familiar, e quando o ambiente não é positivo, optam por manter lá as pessoas. Quando as pessoas já estão curadas, ou pelo menos, apresentam a capacidade de serem auto-suficientes, são mandadas para dois apartamentos (salvo o erro) que existem na casa das Irmãs Hospitaleiras, e é-lhes fornecida uma quantia financeira e então tentam administrar o seu dinheiro, organizar-se e viver sozinhas. Claro que tudo isto é orientado pelas Irmãs que vão estando super atentas, até que verificam se a pessoa está ou não apta para viver sozinha, para ser auto-suficiente. Se consideram que sim, que está apta, as pessoas são enviadas para outros apartamentos que as Irmãs têm em Braga, na cidade, aí já de uma maneira completamente auto-suficiente: tiveram a aprovação e vão tentar reiniciar uma vida com orientação das irmãs mas algo mais ligeiro. Esta situação também me impressionou bastante pela positiva pois demonstra o cuidado das Irmãs com os utentes na vida social e vê-se que elas se preocupam muito para além das 4 portas da Casa do Hospital.
A nota positiva vai também para as instalações. As instalações eram muito boas, com o necessário, com lugares para sentar para todos, com mesas, com televisões. E sobretudo, as instalações muito limpas com cheiro agradável e viam-se instalações muito cuidadas, com muita luz em comparação com outros. Vê-se que ali se preocupam com o proporcionar o bem estar aos utentes.
Às 11h da manhã havia missa e então nós voluntários oferecíamo-nos para acompanhar utentes que quisessem participar na Eucaristia. Para elas eram sempre muito bom e participavam sempre muitíssimo bem. E havia alegria na missa: haviam cânticos, uma irmã que tocava viola e piano. Então eram sempre missas animadas!
Depois tínhamos hora marcada de forma rígida para o almoço: ajudávamos os utentes com o almoço, íamos ajudando de forma discreta sempre sem eles se aperceberem muito porque estávamos sempre no sentido de promover a auto-suficiência. Mas, de vez em quando, cortávamos a carne a uma pessoa mais “aflita”, íamos fazendo assim essas pequenas coisas, íamos vendo se estava tudo bem em cada mesa; ajudávamos também no levantamento dos pratos para a copa e, quando terminavam as refeições dos utentes, nós, comunidade de voluntários, fazíamos as nossas refeições. De maneira que nos encontrávamos aí. Era rígido o horário, tínhamos que estar todos na mesa à mesma hora, e aí fazíamos já um pouco de partilhas mas, mal acabássemos de almoçar, íamos tomar o café e seguíamos para os serviços respectivos para continuarmos a cuidar, a ajudar, a participar no dia-a-dia dos utentes. Mais do que uma vez promovemos desenhos, algumas actividades, conforme eles estivessem ou não interessados. Uns participavam, outros não.
As irmãs têm ateliers de pintura, de tricô, crochet, trabalhos vários de artesanato que vendem. No nosso caso, que tínhamos as utentes que eram praticamente todas independentes e poderiam trabalhar nestas actividades, durante a tarde tivémos oportunidade de ir visitar e ver os trabalhos que faziam. Faziam coisas lindsissímas! E era assim que ocupavam os seus tempos.
À noite nós fazíamos reunião depois do jantar e aí aproveitávamos para falarmos das nossas experiências diárias, falarmos das nossas impressões, o que sentimos, o que não sentimos. Também fazíamos jogos entre nós organizados pela Catarina Lopes António, com objectivos precisos. Os nossos serões eram bastante agradáveis! Acabávamos por nos recolher bastante cedo para o dia seguinte.
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CF - Que dificuldades sentiste?
MJ - Dificuldades: nós não tivemos porque o sistema estava muito bem organizado. Então, não haviam dificuldades. Se precisávamos de alguma coisa havia sempre quem nos ajudasse. De uma forma geral, quando comentávamos entre voluntários, ninguém fazia referência a qualquer tipo de dificuldade. Antes pelo contrário: sempre nos tentaram facilitar tudo, a nossa presença e sempre foram todos muito agradáveis connosco. Fiquei encantada com a jovialidade das irmãs, independentemente da sua idade: aqueles sorrisos lindos de quem vive feliz por aquilo que está a fazer e isso impressionou-me e tocou-me muito.
CF - Sentiste alguma divergência entre os vários voluntários, não só na sua diferente forma de agir enquanto pessoas, mas também enquanto membros de carismas e grupos missionários diferentes?
MJ - Nunca tivemos divergências! De vez em quando havia um elemento que eu não conhecia bem e que acabava por pensar de uma forma um pouco diferente de todos nós voluntários. Mas, de qualquer maneira, conversávamos e estava tudo certo. Não houve qualquer tipo de problemas.
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CF - O que mais te marcou ? Que sentido(s) teve para ti esta atividade?
MJ - A última noite, uma noite muito marcante para todos nós. Fomos convidados pela comunidade religiosa para jantarmos com elas. Então foi realmente um jantar bastante interessante. Desde o ambiente em si – estávamos todos muito próximos uns dos outros -, as irmãs com aquele sorriso maravilhoso! No fim, a irmã mais velha, responsável pela comunidade, resolveu presentear-nos com um fado que foi das coisas melhores que podia ter assistido. A irmã pediu para ser à média luz para não lhe vermos a placa dos dentes (risos). Era uma pessoa cheia de sentido de humor. E então começou a cantar um fado sobre a andorinha. Foi muito engraçado porque, para além de ela ter uma voz esplêndida e a canção ser muito bonita, (a canção) era ela a falar com uma andorinha e, às tantas, ela dizia “E a andorinha respondeu-me…” e toda a comunidade das irmãs fazia de andorinhas e davam uma resposta. Muito bem cantado! Para nós foi muito agradável e foi uma noite excelente que nenhum de nós esquecerá!
Em relação a mim, Maria José, como é que isto tudo me tocou, o que é que eu trouxe no meu coração sobre isto? Eu assisti a uma coisa que me impressionou imenso e que eu resumo numa frase: o respeito pela dignidade humana. As pessoas eram tratadas com um respeito profundíssimo. Eu já trabalhei em lares e já vivi essa experiência e muitas vezes me questionava porque lá não havia uma higiene oral suficiente. E na Casa das Irmãs Hospitaleiras aconteceu uma coisa muito engraçada. Eu fiquei uma hora cidrada a assistir a isto (que pode parecer algo sem muita importância mas, para mim, teve muita importância): as utentes depois do pequeno-almoço dirigiam-se à casa de banho onde estava uma funcionária e, todas em fila, iam-se aproximando dela; dentro de um armário haviam as escovas e copos todos com a respectiva identificação; estavam também umas caixas identificadas onde, no dia anterior, as utentes deixavam as suas placas com água e a funcionária acrescentava água e pastilhas tipo corega. No momento da lavagem dos dentes, a funcionária entregava a respectiva placa. No armário tinham cremes hidratantes para a pele e a funcionária aplicava creme a TODAS as pessoas que lá passavam – de todas as idades – desde a mais jovem, até à de 90 anos. Depois, a seguir, tinha um perfume que punha a todas: todas estavam perfumadas. E tinha uma zona onde haviam bijuterias que elas escolhiam, não de uma maneira exagerada mas sim de uma maneira que as embelezava. Depois, a funcionária ainda as penteava e haviam as mais novas que pediam à funcionária que lhes fizesse uma trança. E ela, tranquilamente, fazia a trancinha à pessoa que lhe pedisse! E aí é que eu vi realmente o valor que dão à dignidade. Ninguém está habituado a ver as pessoas em hospitais psiquiátricos cheirosas, cuidadas… por norma, não acontece nada disto! E então, isto era feito diariamente. Haviam aquelas que tinham os seus próprios perfumes, cremes. Mas havia o geral, para todas, para as que não tinham. Eram todas muito cheirosinhas e cuidadas e isso a mim marcou-me muito, este cuidado com aquelas pessoas que, possivelmente, noutras circunstâncias não teriam isto. E não importava o tempo – a funcionária estava lá para cuidar delas, demorasse o tempo que demorasse. O respeito pela dignidade humana foi aquilo que mais me marcou nesta experiência de 4 dias.
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Depois ali senti que o amor ao próximo é realmente a solução para todas as coisas, para todos os problemas. É o amor que move o mundo. Eu vivenciei isso. A minha vontade não era de vir embora; era de ficar lá! Porque, aqueles 4 dias em que démos… é sempre aquela história: nós damos, mas recebemos muito. Então, havia aquela troca e só faz sentido, e só aconteceu e só continuará a acontecer por causa do amor com que Deus nos encheu o coração e que nós queremos dar ao próximo. E portanto eu continuo a achar que o amor é que move o mundo, é que move montanhas. O amor que nos é concedido por Deus e que nós seguimos através de Jesus Cristo, esse amor é que é o mais importante… e até provas em contrário, será esse o meu lema de vida. De todas as suas formas incondicionais e que o Senhor assim me permita ter alguém a quem possa passar esse amor.
CF - Como avalias toda a atividade?
MJ - Senti-me uma privilegiada por ter vivido esta experiência. Deixou-me profundamente feliz: já não me lembrava de me sentir tão feliz como me senti. Sinto-me tranquila também por ver que há pessoas como as irmãs Hospitaleiras que chegam aos mais necessitados com tanta felicidade e transmitindo tanta alegria, tanto amor que dá para pensar que, apesar de tudo, há quem faça a diferença e obrigada Senhor por isso. Abençoa quem faz a diferença e permite que possamos desempenhar sempre o que nos pedes e que nos ajuda-nos a descobrir verdadeiramente o que requeres de nós.
CF – Muito obrigada Maria José! E apesar de, esta ser uma entrevista em que apenas oiço a tua voz, reconheço o sorriso nos teus lábios enquanto respondes e a o brilho nos teus olhos… e a saudade que fica dessa semana que, acredito, te marcou profundamente, especialmente porque o cuidado ao próximo é a tua área de trabalho e sei que já viste realidades muito distintas das que presenciaste nesta semana! Parabéns pela tua coragem em aceitares este convite de Deus e também à FEC pela iniciativa e possibilidade de permitir aos seus formandos uma semana tão frutuosa como esta.