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Leigos Missionários Combonianos

Servindo a Missão ao estilo de S. Daniel Comboni

Leigos Missionários Combonianos

Servindo a Missão ao estilo de S. Daniel Comboni

Um ano de missão em Moçambique

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Faz um ano que cheguei à Missão de Carapira, no norte de Moçambique. Mas, às vezes, muitas vezes, parece que acabo de chegar e que estou ainda a dar os primeiros passos, como se estivesse a começar.  Há momentos em que sinto que a viagem entre Portugal e Moçambique não foi a maior viagem que fiz, apesar do número de quilómetros geográficos sugerir o contrário. As grandes e maiores viagens são aquelas em que tenho de transitar entre a minha mente e o meu coração; de sair de mim e me colocar no lugar de quem está mesmo ao meu lado e, por vezes, me parece tão distante. A verdade é que a missão não é um lugar físico. É antes um lugar impossível de circunscrever e que pede esta atitude permanente de humildade, de audácia, de vontade.

A missão é também uma escola de amor, um lugar onde se aprende ou reaprende a amar. Aqui tenho conhecido bastantes missionários e voluntários. Pessoas que vêm com o desejo de fazer o bem, e que descobrem progressivamente a sua vulnerabilidade. A experiência mais forte que podemos fazer passa por amarmos e sentirmo-nos amados. Mas quando tudo em redor parece estranho, esta aprendizagem torna-se fatigante. Porque aprender a amar significa aprender a acolher o que eu sou, com os meus desejos, a minha fé, mas também com as minhas dificuldades, as minhas compulsões, a minha necessidade de ter razão. Ora, nos encontros e na vida quotidiana, depressa se descobre a fragilidade de que somos tecidos. Todavia, tenho para mim que, na medida em que a descobrimos, talvez sejamos capazes de olhar para a vulnerabilidade de Jesus e de amá-Lo.

É ainda uma escola onde se aprende que a proporção das coisas é distinta. Mas não se aprende a medi-las (muito menos a paciência). O espaço é vasto, e sem grande desgaste perdemos o horizonte de vista.

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O tempo dilata-se no próprio tempo. Tudo, mas mesmo tudo, acontece num ritmo bastante singular, a suave (suavíssimo) compasso. Então, o tempo chega sempre para tudo o que queremos, realmente, fazer, porque a lentidão ensina a evadir ao quadriculado e supera o que seria somente funcional e útil.

Porém, é nestes campos que germinam experiências autênticas. Não é preciso consultar boletins meteorológicos. Não se abre o GPS para simular quanto tempo demora uma viagem daqui para ali, até porque o “daqui-para-ali” é de uma imensidão tão grande que não foi ainda captado e decifrado por mapas de satélite – metemo-nos dentro do carro e seja como Deus quiser. Se o número de buracos for razoável, e o carro não avariar, chegamos mais depressa.

E se é verdade que Moçambique tem lugares deslumbrantes, é também verdade que aqueles que existem dentro das pessoas são os mais incríveis e preciosos. Tenho tido a delícia de conhecer pessoas que me ensinam muito. Pessoas simples e capazes de manter uma atitude de confiança mesmo na escassez, na pobreza. Que olham para o dia de amanhã com a esperança de que tudo correrá bem, Inshallah [se Deus quiser, como é costume ouvir-se]. Às vezes pergunto-me: confiança, em quê? Confiança, porquê? Confiança. Confiança na vida. São pessoas que me ensinam sobre a fé. Confiantes na proteção de Deus e muito gratas. Dotadas de um lastro de confiança que me convida a olhar para a vida com mais serenidade.

É uma escola onde se aprende também a olhar nos olhos de quem nos repara. Porque, na verdade, é quando reparamos que começamos a ver. Muitas vezes, quando olho à minha volta, posso sentir que não estou preparada para ver tudo o que encontro. Mas até nisso e para isso, Deus me tem capacitado.

Aprende-se também a ver Deus nas coisas pequeninas. Lembro-me muito bem de que, antes de vir para aqui, me tinha proposto a escrever mais: tinha ideia de fazer um diário de bordo ou, pelo menos, registar com mais regularidade as coisas que iriam acontecendo, como me sentia, ... Enfim, de partilhar sobre a missão de maneira a sentirmo-nos, também, mais próximos (a sentir que “estamos juntos”, como aqui se diz). Muitas vezes pergunto-me: mas vou escrever sobre o quê? É muito mais fácil fazê-lo sobre as coisas extraordinárias.   Está claro que não tenho cumprido a intenção à qual me lancei. Porque, de algum modo, quando me propus a tal, talvez tivesse ingenuamente concebido que na missão haveria um cento de coisas extraordinárias para contar. E, na verdade, a missão faz-se de momentos e dias comuns. Os instantes extraordinários podem ser mais coloridos e melódicos, mas são os vulgares que melhor contornam e sedimentam a nossa vida.  São esses mesmos, os momentos simples e ordinários, aqueles que encontramos no serviço e na relação com as pessoas que enchem de sentido e tornam a missão especial, sem precisar que venham os dias extraordinários pedir entrega e doação.

A missão é a cada dia um mapa por decifrar e por conhecer. Por isso, a cada momento sinto-me a começar um tempo novo, não o do calendário, mas o da oportunidade da vida e o da salvação que pode acontecer sempre que Deus nos visita nas coisas mais pequeninas e aparentemente insignificantes.

Cheguei a Moçambique há um ano. Mas continuo a começar e a caminhar para o Senhor das bênçãos a cada dia.

  

LMC Marisa Almeida

Natal em Moçambique

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Nas vésperas de Natal quase que só me apercebia da sua proximidade cada vez que ia rezar e ‘dava por mim’ a folhear a Liturgia nas páginas do Advento.

Sei que, muito provavelmente, se não estivesse aqui, tudo em meu redor evocaria o Natal. A proliferação de natais comerciais trataria de me enquadrar nesta estação a partir do terceiro trimestre do ano, praticamente, num jogo astuto e paulatino.

Entre os jogos de luzes, as decorações interiores e exteriores, sugestões tanto para os Menus cada vez mais requintados como para o dress code da noite de Consoada e do almoço de Natal, a magia que se sente nas ruas das cidades, as típicas músicas da quadra (‘mais do mesmo’ mas, até os clássicos deixam saudade), … Entre um ou outro jantar entre amigos e grupos disto e daquilo, nada deixaria escapar a atenção, nem mesmo dos mais distraídos, para ‘O que está para chegar’.

Aqui, não há nada – disso. Nas cidades testemunham-se alguns sinais de ‘natais importados’. Mas aqui, não. Os sentidos não são invadidos por esta avalanche de estímulos. Não há o frio e os vidros embaciados que deixam ver as luzes a piscar. Não se ouvem as músicas corriqueiras. Não se sente, nem se adere, à bulimia das compras nem dos presentes – e, muito menos, das aquisições e das ‘necessidades’ de última hora. Não se assiste ao ‘sozinho em casa’ na televisão. O calor é demasiado para se substituírem os chinelos, as saias ou calções e as t-shirts por roupa mais quente. Não se publicita o bacalhau nem o azeite virgem extra. Não há o bolo- rei, as rabanadas, filhoses ou bolinhos disto e daquilo. Não se impingem brinquedos nem se embrulham promessas de pequenos paraísos instantâneos e de curta duração.

Confesso que, na semana que antecedeu o Natal, eu me senti um pouco apreensiva: por ser o meu primeiro Natal na Missão, por sentir saudades da família, particularmente, nesta quadra, por ser tudo tão único e diferente do que estava habituada, … e até por não termos tido energia nem água nesses dias, dificultando a comunicação e desafiando a criatividade…

Mas, este ano, o Menino Jesus trouxe-me esta aprendizagem: o Natal não é ornamento.

Ao nosso redor pode parecer Natal, mas nunca o será se ele não estiver já dentro de cada um de nós. O Natal é, também, movimento, uma itinerância. Temos sempre de caminhar para o encontrar. Se queremos ver uma ‘grande luz’ temos de nos levantar e partir; temos de ir ao encontro das manjedouras onde se encontra o sofrimento humano; temos de voltar ao estaleiro onde nos deparamos com a simplicidade; temos de regressar ao presépio onde a esperança de Deus e a esperança da humanidade se encontram - mas, com a confiança de que, entre o silêncio e a palavra que procuramos, uma estrela nos guiará, sempre.

O Natal, acredito, acorda-nos para voltarmos às nossas verdadeiras raízes, para o primeiro sonho de Deus para cada um de nós. A infância de Jesus é, também, a nossa infância. É por isso que, depois de uma espera demorada encontramos paz quando, finalmente, repousamos em Deus.

 

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Curiosidade…

Depois da independência Moçambique tornou-se um estado laico. No entanto, o feriado do dia 25 de Dezembro foi preservado, não por ser dia de Natal mas como o Dia da Família. Assim, neste dia, independentemente da religião que professem, as famílias encontram-se e celebram o dom da Família (claro que, para a comunidade cristã, este dia é ‘mais do que isso’, é o dia do nascimento de Jesus, em que a Salvação e a verdadeira Paz descem à Terra). Assim, desejavelmente, reúnem-se para confraternizarem e recuperarem forças para o ano que está por vir – mas, afinal, não é, também, isto o Natal?! No Natal, cada vez que celebramos a esperança conseguimos dizer no nosso coração “a Humanidade tem futuro”.

 

 

 

Deixo parte de um poema de José Tolentino Mendonça (“O Presépio somos nós”) que me acompanhou nas últimas semanas:

 

O Presépio somos nós

É dentro de nós que Jesus nasce

Dentro de cada idade e estação

Dentro de cada encontro e de cada perda

Dentro do que cresce e do que se derruba

Dentro da pedra e do voo

Dentro do que em nós atravessa a água ou atravessa o fogo

Dentro da viagem e do caminho que sem saída parece

 

 

Esperando que tenham tido um Bom Natal,

Votos de um Feliz Ano Novo,

Marisa Almeida.

Testemunho - Fé e Missão em Carapira por Inês Gonçalinho

Inês 1.pngBem, como começar este testemunho? Palavras não chegaram para descrever o turbilhão de emoções que senti, e a nostalgia que já acumulo no meu coração. Demorei dias ou até semanas para conseguir escrever o testemunho, talvez por medo ou mesmo por saudade. Cada dia que passo longe daquela terra sinto dor, mas acima de tudo saudade. É algo que se apodera de mim sem me pedir licença, que determina o meu estado de espírito, chegando mesmo a ditar os sonhos que tenho quando me deito. Não consigo descrever o que vivenciei, o que partilhei, o que amei, o que cresci, o que dei, mas acima de tudo o que recebi. Amei e amo aquela gente como se fosse minha. Sinceramente, como não amar? Fui adotada e acarinhada por todos o que se cruzaram no meu caminho, mesmo não falando a mesma língua não foi nenhum impedimento para trocas de amor constantes. Numa das idas ao bairro perto da casa da missão, cruzei-me com uma mamã que de imediato convidou-me para “mata-bichar” com eles. Quando dei por mim, estava rodeada de gente que me olhava atentamente, mas com um carinho infinito para me ensinar os seus costumes. Derretia-me o coração o hospitalidade e o amor que sentia diariamente, e a forma como nos olhávamo e abraçávamo era apaixonante. Estava em casa.

 

Sento-me e penso como me senti quando calcei aquela terra pela primeira vez, e é impossível conter as lágrimas. A excitação de começar, de conhecer, de estar, de ajudar, era tanta que logo na segunda-feira (dois dias após a nossa chegada), apresentei-me ao serviço no ITIC. Na noite anterior mal dormi com medo. Dei por mim a pensar se teria capacidade para tratar dos meninos que aparecessem na Enfermaria a pedir a minha ajuda, se tudo o que aprendi na faculdade realmente serviria para alguma coisa, se teria capacidade para me adaptar aos meios que tinha. Havia muitos “se's”, muitas inseguranças, mas de uma coisa tinha a certeza, daria o meu melhor desde que acordasse até que me deitasse.

Organizei papeladas, reorganizei as vitrines dos medicamentos, mas acima de tudo tratei dos alunos nas suas mais variadas formas. Entreguei-me sem medos, ficava horas depois do suposto naquele cubículo de 4 paredes, mas que me enchia tanto o coração. Ficava maravilhada quando os alunos me procuravam apenas só para me “sadar” para “ alegrar o meu dia”, como eles diziam.

A forma como me liguei aqueles meninos foi indiscritível, parecia que com um simples olhar tínhamos feito um juramento que cuidaríamo-nos mutuamente. Vivia intensamente as doenças ou as preocupações de cada um deles, e tratava de cada um como se fosse único, com todo o amor que carregava no meu peito. Muitas vezes, quando alguns deles estavam doentes e ficavam a dormir na enfermaria, custava-me tanto voltar para casa. Não conseguia pensar em mais nada, se não em arranjar estratégias para que melhorassem mais rapidamente. Então, muitas das vezes, passa va as tardes ao lado deles, a jogar jogos no chão frio da Enfermaria, a fazer controle de febre de 30/30 minutos, ou simplesmente a vê-los dormir.

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Havia dias mais fáceis que outros, mas todos eles eram um desafio constante. Todos os dias Ele ajudava-me a superar-me, e a perceber que as nossas barreiras estão apenas na nossa cabeça. Ajoelhei-me perante Deus várias vezes desorientada, e Ele falou-me ao coração mostrando-me que de mãos dadas ultrapassava todas as dificuldades.

Uma das milhares situações que vivi, foi quando olhei pela primeira vez para o rosto daquelas meninas das quais estava a acompanhar o estudo. Cada olhar penetrava no meu coração de uma forma tão intensa que jamais esquecerei. Tentavam aprender sozinhas, sem livros de apoio ou explicadores. Eram movidas por uma força interior indiscritível de querer ser mais, de alcançar um futuro melhor. Cada uma, carregava nos seus olhos histórias e vivenças que jamais esquecerão, mas sempre com uma alegria e um amor contagiante.

Inês 3.pngTive a oportunidade de ajudar no posto médico da comunidade, e aí percebi que pertenço a este povo. Andei demasiado tempo a evitar o confronto com o estado de saúde da comunidade Macua e o sofrimento que iria sentir. Mas pelo contrário, arregacei as mangas e fui. Simplesmente fui. Corri todas as especialidades, desde os doentes com HIV, mamãs internadas com patologias ainda por descobrir, maternidade, consultas de pediatria, chegando mesmo há tuberculose. Sabia que estava a colocar a minha saúde em risco, mas de uma coisa tinha a certeza, Ele estava a olhar por mim, e por isso, não iria fazer disso um impedimento para não ajudar aquelas pessoas.

Filas intermináveis, preenchiam o átrio do posto, os gritos de crianças entoavam em todos as divisões, e a esperança que chegasse a sua vez era comum a todos. Por vezes, a língua era uma barreira para explicar a toma da medicação e as precauções que teriam que ter, mas fazia um esforço para que a mensagem chegasse. Agradeço-Lhe por me ter dado forças todos os dias para conseguir ajudar aqueles que procuravam, e que a impotência não se apoderasse de mim.

A cada dia que passava, laços eram fortalecidos e o meu medo de regressar a casa era constante. Sabia que o meu lugar era ali, pertencia-lhes. Foram a família que Deus escolheu durante a minha missão. E a cada dia que passava os amava mais, por isso, era impossível despedir-me sem juramentar o meu regresso. Agradeço-lhes de coração, a forma como me receberam de abraços abertos e todo o amor que me deram.

O mais engraçado desta missão não foi só as pessoas que conheci, os sorrisos que vi, ou as lágrimas que deitei, mas sim a forma como Deus invadiu o meu coração diariamente sem me aperceber. A necessidade de conversar com Ele diariamente, estava intrínseca na minha rotina diária, e a forma bela como ele me respondia era indescritível. Tenho a certeza que sem Ele, não iria conseguir suportar as minhas fraquezas nem contornar as minhas inquietações. Como foi bonita esta descoberta com o Senhor!

Obrigada Carapira, simplesmente obrigada!

Inês Gonçalinho, Fé e Missão

Aprender a amar…

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Foi um sonho… que se tornou realidade! Tudo surgiu desde a primeira vez que ouvi o testemunho de um padre missionário e pelo qual me maravilhei com tamanha intensidade de amor vivido e partilhado. Era adolescente e desde aí nasceu em mim uma enorme vontade de também querer amar assim.

O tempo foi passando e quase vi o sonho fugir entre rotinas, responsabilidades e trabalho… Mas, Deus sabe o que faz e não podia deixar um sonho tão rico morrer em vão. Ele soube-me levar pelo caminho certo, conduzindo-me pela caminhada do Fé e Missão que me ajudou a aproximar d'Ele, a conhecer o meu íntimo e a perceber que era chamada a fazer algo mais. E com milhões de medos e anseios Ele quis que eu fosse ainda mais longe e vivesse este mês, onde pude aprender e saborear um pouco da vida missionária.

Após toda a preparação, angariação de fundos e despedidas, só senti a realidade da situação quando me vi em Nampula. Assim que saí do avião, tirei a máquina para tirar fotos do local e fui logo impedida de o fazer, por um segurança do aeroporto. Aí sim, percebi que aquele não era mesmo o mundo em que cresci, a realidade a que sempre fui habituada.

No caminho percorrido até Carapira, mais certezas tinha de estar a viver uma outra vida, num mundo completamente diferente. Da estrada alcatroada, sem marcações e com retas infinitas foi-me permitido ver a verdadeira realidade de viver em Moçambique. Da janela fui vendo as barracas junto à estrada com imensas feirinhas, onde se vendia de tudo um pouco, vi também muitas mulheres a carregarem os seus filhos às costas e outras que carregavam baldes de água ou outras cargas nas suas cabeças. A terra vermelha, as típicas árvores e a planície infinita com alguns rochedos ao alto identificavam a paisagem. Em alguns locais viam-se palhotas e pequenos barracos que identificavam as povoações.

Chegamos a Carapira com uma receção calorosa que me fez lembrar da existência de um mundo parecido com o que estava habituada a viver. As instalações eram bastante agradáveis à semelhança do que tinha idealizado anteriormente.

Os primeiros dias permitiram conhecer o local onde passaríamos maior parte do tempo, as casas dos diferentes ramos da família Comboniana e o seu trabalho desenvolvido ao longo do tempo. Foram distribuídas tarefas por toda a comunidade do Fé e Missão, entre as quais relacionadas essencialmente com o trabalho do Instituto Técnico Industrial de Carapira (ITIC) e no apoio ao estudo das meninas do lar das Irmãs Combonianas.

O trabalho que nos tinha sido atribuído foi sendo feito ao longo do mês e com a adaptação do ritmo que ali se vivia. O tempo era muito relativo e a pressa não existia, havendo sempre a possibilidade de uma conversa extra sempre que caminhávamos para algum lado.

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Todos os dias participávamos nas laudes e vésperas, realizadas na igreja juntamente com a comunidade Comboniana. No início, não foi propriamente fácil acordar cedo para as laudes, mas há medida que ia entrando no ritmo, estranho seria se algum dia faltasse a uma das orações. Era um momento de paragem para estar junto Dele e por aí relembrar todas as razões que me levaram a estar ali.

Além das tarefas atribuídas inicialmente, tive a oportunidade de visitar uma comunidade fora de Carapira, com a irmã Eleonora, onde pela primeira vez me senti “inculturada” ao almoçar juntamente com a comunidade, tive também a oportunidade de rezar o terço em Macua no bairro de Carapira e de acompanhar a irmã Maria José na visita aos doentes. Todos estes momentos permitiram conhecer um pouco mais sobre os costumes e a vida do povo Macua. Eles ficavam muito contentes sempre que nos ouviam falar na sua língua, por mais pequena que fosse a expressão.

As maravilhas foram acontecendo ao longo dos dias. E em cada um deles havia um toque especial, que me fazia gostar de estar ali e onde já nada mais importava! Apesar das saudades de Portugal, a vontade de ficar ali aumentava a cada dia que passava. E aos poucos fui aprendendo mais e mais e o melhor de tudo surgiu com as meninas do lar.

Desde o primeiro dia em que as conheci fiquei logo apaixonada pelos seus sorrisos, canções e alegria contagiante. O meu coração se enchia, sempre que estava com elas! Elas cativaram-me com a sua simplicidade e apesar de ter a tarefa de lhes ensinar e ajudar com os estudos senti que aprendi muito mais. Partilhavam o pouco lanche que tinham e ainda davam um pouco do delas. Ensinavam palavras em Macua e divertiam-se sempre que eu as tentava pronunciar.

Quando já sentia o coração a rebentar com tanto amor e a pensar que já não era possível mais, eis que me surge uma pequenita a precisar de falar comigo a sós. Confesso, foram mil e um pensamentos e alguns receios, junto com muita curiosidade. O que me queria ela dizer? Surge então a oportunidade e a pergunta é tão simples, dita de uma forma tão doce: “Queres ser minha amiga?” Fiquei sem reação e sem palavras. Não contava com tão pequena pergunta que carregava tanto sentimento. Abracei-a e disse-lhe com todo o meu amor que já eramos amigas sem ter de o pedir. Mas aquele coraçãozinho ainda me quis surpreender mais. Apesar de eu ter tentado não aceitar, veio com um presente para mim. Sim, nós que temos tanto e eles que têm tão pouco. Como é possível? Um pequeno caderno com um texto escrito por ela. Ao longo do mês, as pequenas atitudes desta menina mexeram comigo de uma forma muito especial, mexendo também com o meu mundo e a minha forma de pensar sobre o amor. Afinal ele é tão simples!

Tudo isto fez-me ver a vida com muito mais simplicidade deixando de dar valor a muita coisa que tinha e refletir sobre esse amor que pouco falava e muito transmitia. Foi assim que Deus me levou ao deserto e me falou ao coração…

 

Mónica Silva 

“Na minha pequenez se detiveram Seus olhos…”

1.jpgChegou a altura de partilhar o que me vem no coração depois de um mês de experiência missionária em Carapira. Tenho alguma dificuldade em organizar as ideias e começar, pois muitas emoções me vêm ao coração… vou procurar escrever um pouco sobre como cresci nesta caminhada.

Primeiro, vou falar um pouco da nossa rotina: tínhamos, todos os dias, momentos de oração. Começávamos e terminávamos o dia em oração, com a comunidade apostólica e da nossa comunidade. Logo no início foram apontados vários trabalhos em que precisavam da nossa colaboração e fomos construindo a nossa rotina em torno desses trabalhos, no Instituto Técnico e Industrial de Carapira e no lar das irmãs; e acompanhávamos os missionários e missionárias nas visitas que faziam a pessoas e comunidades. Participámos, ainda, nas celebrações que se viveram por aqueles dias dos 70 anos da presença Comboniana em Moçambique, os 150 anos da fundação do instituto dos MCCJ e os 25 anos do assassinato do irmão Alfredo Fiorini. E tínhamos as tarefas e momentos específicos da vida em comunidade, da nossa “comunidade Fé e Missão”.

Duas coisas me enchiam o coração: a primeira era um sentimento de pequenez; a segunda era uma grande serenidade, mas uma serenidade alegre. Sentia-me pequeno e leve, alegre, em paz.

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Senti-me pequeno porque fui vendo o melhor e o pior que há em mim. Aprendi mais sobre mim – conheci-me melhor. Fui percebendo os meus limites e os meus dons com mais nitidez. Fui descobrindo limites que não conhecia e qualidades que não pensava ter. E ao crescer sentia-me pequeno. Porque fui percebendo que os trabalhos que íamos fazendo, embora importantes e feitos com toda a dedicação que podíamos dar, não mudam o mundo como queremos. Porque a diferença está em pequenos gestos de amizade, de amor, que crescem e dão fruto. Sentia-me pequeno, sobretudo, porque foi muito mais o que recebi do que aquilo que dei: da comunidade apostólica que acolheu generosamente; da comunidade de Carapira; das comunidades que visitávamos; das pessoas que nos encontravam; das crianças e jovens com quem passávamos mais tempo, no Instituto (a escola industrial) e no lar das Irmãs; e das pessoas com quem fiz comunidade, os restantes membros do Grupo Fé e Missão.

Senti-me, ao mesmo tempo, em paz, porque tinha o coração cheio. Cheio de amor, de alegria. Cheio de Deus. A cada dia que passava, percebi melhor que estava ali porque Deus me quis falar ali. E sentia-O muito próximo, em momentos concretos, na oração, nos trabalhos, nas pessoas que me iam tocando o coração. E percebi que Ele me ia guiando, me ia ajudando a conhecer-me melhor. Isto ajudou-me a ser mais sensível, mais genuíno. Mais eu. Aquele eu que Deus já conhecia e eu ainda não – o meu verdadeiro Eu…

 

Olho para este caminho. Como estava na partida e como estou na chegada. Como mudei: como Deus se deteve na minha pequenez, e como pegou nessa pequenez e foi construindo algo de bonito.

Como fui tocado por Ele. E sinto-me feliz por olhar e por saber que vivi intensamente. Por saber que vivi aquele tempo apaixonado por Cristo e pelas pessoas. E que quero continuar assim, de coração cheio, grato por todas as maravilhas que Deus fez e por tudo o que recebi das pessoas que por mim passaram, os muitos testemunhos de fé e amor que me foram tocando e me fizeram crescer.

Filipe Oliveira (Fé e Missão)

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Partir ao Teu encontro...

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No passado dia 17 de Agosto eu e os meus 7 colegas do grupo Fé e Missão partimos para uma longa viagem desde Lisboa até ao aeroporto de Nampula. Não para fazer férias, mas sim para fazer um mês de experiência missionária na comunidade Comboniana de Carapira. Agora que estou de volta a Portugal, só posso dizer que foi um mês inesquecível que colocou Moçambique para sempre no meu coração!

O terreno principal da nossa missão foi o Instituto Técnico Industrial de Carapira (ITIC), onde colaborámos em diversas atividades, consoante os dons de cada um. No meu caso, sendo eu estudante de Matemática, tive a oportunidade de colaborar na revisão da contabilidade, no apoio ao setor pedagógico e no esclarecimento de dúvidas aos alunos durante o estudo noturno. Mas a nossa missão não se reduziu ao ITIC — também nos pediram que ajudássemos através de explicações às raparigas do lar das Irmãs Combonianas, e pudemos ainda participar em várias atividades da pastoral (visitas às comunidades, aos doentes, etc.). Apesar de todas estas tarefas, o que tornou este mês tão marcante não foi o pouco que eu dei mas sim o muito que recebi e aprendi em Carapira!

Acolhimento e partilha são duas palavras que contêm muita da magia deste mês de missão. É incrível a forma como a comunidade missionária de Carapira (padres, irmãs e leigos) esteve, desde a primeira hora, de portas sempre abertas para nos receber, para nos servir um café ou para ajudar no que fosse preciso. E no contacto com o povo percebi que este mesmo espírito de disponibilidade e partilha é também aquilo que melhor caracteriza a cultura do povo Macua, uma cultura riquíssima que contrasta tanto com a europeia... Enquanto que na Europa a vida é cheia de stress e as pessoas desesperam com o mínimo contratempo (um simples atraso de um autocarro, por exemplo), o que eu encontrei em Carapira foi um povo que vive sem pressas, que sabe estar e contemplar. A verdade é que nas minhas primeiras semanas em Carapira eu tive bastante dificuldade em adaptar-me a esta cultura e a este ritmo. Mas valeu a pena, porque este “abrandamento” levou-me a repensar o meu estilo de vida e a encontrar aquele silêncio interior que nos ajuda a escutar a vontade de Deus.

Viver em comunidade foi outro dos grandes desafios que eu tive que enfrentar. Durante este mês, fomos 8 jovens a fazer comunidade "a 100 por cento": fizemos as refeições juntos, rezámos juntos, trabalhámos juntos... Uma rotina que não tem nada a ver com aquilo a que eu estou habituado, pois eu saí de casa dos pais aos 17 anos (quando entrei na universidade) e acostumei-me a uma vida bastante autónoma e relativamente solitária... A adaptação não foi fácil, porque na vivência comunitária surgem constantemente situações que nos levam a errar – basta estarmos um pouco mais cansados para dizermos a palavra errada e gerarmos um desentendimento! São situações inevitáveis que surgiram de vez em quando, mas que foram sempre ultrapassadas graças à força da oração, que nos ajudou a estar mais em sintonia com Deus, a "morrer todos os dias por ir contra o próprio querer" (como diz um cântico de que nós muito gostamos!) e a sermos capazes de perdoar.

Para quem vem de um país como Portugal, é entristecedor ver que uma grande parte da população de Moçambique vive numa situação de enorme pobreza. E ainda mais triste fiquei ao dar-me conta de que a mentalidade dos países ricos é em grande medida a responsável por essa pobreza. Por exemplo, nos passeios pelo bairro fui surpreendido por ouvir tantas vezes a frase “mucunha [branco], preciso de dinheiro”, mas com o tempo percebi que isto acontece porque muitos mucunhas ajudam (dando dinheiro) apenas para tirar o peso da consciência, sem se preocuparem em criar os meios necessários para que o povo saia da pobreza e deixe de depender de esmolas. Mas fiquei cheio de alegria ao ver no terreno o grande e contínuo trabalho de caridade e amor ao próximo que é feito pelas missionárias e pelos missionários Combonianos, fiéis ao lema de S. Daniel Comboni: “Salvar África com a África!”.

Muito mais haveria para dizer sobre esta nossa “aterragem” em Carapira. Podia falar sobre as belezas fantásticas que encontrei nas visitas à praia e à Ilha de Moçambique, ou sobre a grande festa que foi a nossa despedida, ou sobre muitas outras coisas boas. Porém, o mais importante é o que fica guardado no coração, e isso não se traduz em palavras… Agradeço a Deus por ter tido a oportunidade de viver tudo isto. Moçambique: estamos juntos, na amizade e na oração!

 

Rúben Sousa

Testemunho - Fé e Missão em Carapira

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Sei, à partida, que as palavras não vão fazer jus ao que eu vi, ao que eu senti, ao que eu vivi ao longo desta experiência missionária em Carapira. Mas tentarei pôr por palavras aquilo que está escrito no meu coração sobre este mês.

Chegámos a Carapira no dia 19 de Agosto, brindados por uma chuva não esperada, mas que tantas alegrias deu àquelas crianças que encontrámos pelo caminho… Banhavam-se em poças lamacentas… E esta foi a minha primeira imagem de Carapira, a percorrer aquela estrada que vai dar à Igreja, um caminho que já tinha visto em fotos e que vi e vivi ao vivo, e a cores (e molhada!). Esta é a primeira imagem que tenho de Carapira e do seu povo. E é boa! Tão boa!

 

Fomos muito bem recebidos na casa dos MCCJ com um almoço cheio de todos os mimos e que o corpo agradeceu, depois de cerca de 48h de viagens, aviões e aeroportos. Quando vi as nossas ‘instalações’, aquelas que iriam ser a nossa casa durante um mês fiquei muito feliz: espaços simples, com o necessário, e que me iriam ajudar a desprender de coisas que se calhar não eram assim tão importantes. Neste mês percebi que com o pouco podemos ter muito, que a felicidade não precisa de coisas, que a linguagem do Amor é universal!

 

Após uma reunião com o ir. Luís e a ir. Eleonora que nos fizeram algumas propostas de trabalhos para este mês, dividimos as tarefas entre todos e na 2ª feira cada um começou com os seus trabalhos. Sinto que ao longo deste mês não fiz muita coisa. Já sabia que não seria num mês que ia lá mudar o mundo. Mas não esperava sentir-me inútil tantos dias... Não que não houvesse coisas para fazer. Não que não fosse necessária. Não que não passasse o dia ocupada. Mas no final sentia-me sempre inútil. Tinha expectativas no meu coração que não sabia e vivia uma ansiedade constante, diária, sufocante. Demorei a ver que Deus me pediu para parar. Parar a azafama em que vivia para O escutar. E para estar.  Depois de algum tempo e de um dia intenso de oração na praia das Chocas, vivi a tranquilidade que precisava para desfrutar cada segundo da missão. Apesar de que o tempo em África é diferente. Apreciei o estar. Disseram-me uma vez em Carapira “We are not human doing, we are human being”  E isso fez e faz-me todo o sentido! Soube viver o estar. Estar com o outro. Estar com Deus. Estar comigo mesma. Este foi o maior ensinamento que trouxe desta experiência. E dou graças a Deus todos os dias por ter vivido este mês assim, tal e qual como o vivi. Porque foi assim que O consegui ver todos os dias, em tudo e em todos. Em Carapira aprendi a louvar a criação, aprendi a contemplar um céu que parece fogo, um mar pleno e cheio de gotas que fazem a diferença.  Cada gota faz a sua parte. E eu consegui ver isso, contemplar isso, deixei-me maravilhar! E quando o fiz, quando baixei as barreiras que tinha dentro de mim e não sabia, Deus fez a sua parte, e moldou-me; e mudou-me!

 

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Durante este mês apanhámos (por grande sorte nossa!) uma Deuscidência, como ouvi dizer algumas vezes) uma festa que contemplava os 150 anos do Instituto dos Missionários Combonianos do Coração de Jesus, os 70 anos dos mesmos, em Moçambique e os 25 anos de morte do ir Alfredo Fiorini. E haviam algumas coisas a preparar para estes festejos. Trabalhei essencialmente com a ir Eleonora nestes preparativos. Foi muito importante para mim fazer parte disto.  E quando o dia da festa chegou, eu e as outras meninas do Fé e Missão decidimos vestir a capulana comemorativa! E que alegria foi inculturar-me assim! O rosto das meninas do lar, a sorrirem de orelha a orelha e a abraçarem cada uma de nós é algo que dificilmente vou esquecer! Tornámo-nos uma delas, com o nosso pouco jeito, mas foi tão bom! E a Eucaristia do dia da festa foi qualquer coisa de inexplicável. As meninas do lar das irmãs dançaram, os seminaristas orientavam o coro, um altar decorado e cheio de padres e de combonianos, a igreja cheia de pessoas e que participaram na missa de forma tão intensa, que foram várias as vezes em que fechei os olhos e senti cada som, cada voz a ecoar dentro de mim! Consigo, hoje, fechar os olhos e reviver momentos daquela celebração! Cristo esteve ali mesmo presente, vivo, em mim e em cada um dos que ali festejavam!

 

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Neste mês vi o trabalho imenso de todos os ramos da família comboniana ali presentes: missionários, irmãs, e leigos. Vi o sonho de Comboni de salvar África com África em tantos momentos.  Vi vidas entregues em plenitude à missão e ouvi testemunhos que me deixaram com o coração em alvoroço. Senti-me em família, mesmo a milhares de km de distância de casa. Senti que faço parte. Senti e sinto que a missão faz parte de mim. E vou lutar por esse amor maior.

Antes de ir, ao longo do último ano, muitas vezes me disseram que mais importante do que aquilo que íamos dar à missão em Carapira, seria o que iriamos receber. Fazia-me sentido isso mas não o sentia verdadeiramente. Agora vejo-o e sinto-o, aconteceu verdadeiramente na minha vida: recebi muito mais do que dei! Recebi amor, recebi alegria, recebi paz, recebi sorrisos, recebi lágrimas também, recebi cânticos, recebi desgostos, recebi angústias, recebi, tranquilidade, recebi amigos, recebi abraços, recebi tantas coisas... E todas elas tão importantes! “Tu ficas eternamente responsável por aquilo que cativas!” E eu sei que a missão me cativou. Agora o resto do caminho só depende de mim...

E se há coisa que tenho a certeza e que se fixou no meu coração desde o 1º dia é que “vive-se bem em África”!

 

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 Ana Sousa

(Re)Viver um sonho

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Pelo sonho é que vamos”, escreveu Sebastião da Gama. O sonho comanda muitas vezes a alma de uma pessoa. Consegue levar-nos a sítios que tanto desejamos e que nem sempre conseguimos alcançar de verdade. Carapira, desde 2015, que era um sonho para mim. Regressar a um sítio onde fui tão feliz, rever rostos conhecidos, pessoas que me tocaram profundamente era algo que não imaginava acontecer. Mas, com a graça de Deus, o sonho realizou-se e a alegria de viver a missão que Deus me confiou em terras moçambicanas encheu de novo o meu coração de profunda gratidão a Deus e a todos os que rezaram e trabalharam para que o sonho se tornasse realidade e pudesse ser vivido de novo.

Diferentemente de 2015, em que fui pela primeira vez a Moçambique, este ano a tarefa que Deus me confiou foi a de ser responsável por sete jovens do Grupo Fé e Missão: Ana, Filipe, Inês, Jorge, Mónica, Ruben e Sofia. A minha missão principal foi a de garantir que estes jovens teriam um mês repleto de vivências ricas e profundas com Deus, com o povo que Deus nos deu a conhecer, com eles próprios e com todos os missionários que com o seu exemplo nos viriam a ensinar a Missão. Este ano, a minha maior alegria foi sentir o coração cheio destes jovens, vê-los felizes por se entregarem sem reservas a todas as pessoas que se cruzaram connosco e a todos os trabalhos que nos foram solicitados. Sinto-me grato, uma vez mais, a Deus, pelos jovens que Ele enviou a Carapira, pela sua generosidade e bondade, pela sua alegria e entusiasmo, por tudo o que aprendi com eles e pelo tanto que deram em tão pouco tempo.

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Apesar de só chegarmos a Carapira no dia 19 de Agosto, considero que a longa viagem que fizemos foi muito importante, porque nos permitiu criar ainda mais empatia entre todos e reflectir um pouco sobre a missão. Assim, ao longo da viagem tivemos algumas catequeses sobre o voluntariado e missão, a terra sagrada que seria para nós Moçambique, o outro como “sagrado” e “mistério” e a alegria do encontro.

Muito temos a agradecer a todos os missionários que de coração aberto nos receberam e acolheram em suas casas, que abdicaram do tempo precioso em missão e pararam para estar connosco, para partilharem histórias de vida maravilhosas e para nos levarem a conhecer sítios maravilhosos. Para mim, os lugares mais lindos foram o bairro de Carapira, as comunidades que visitámos e todos os outros lugares onde tivemos oportunidade de estar com pessoas. Sem dúvida que o mais bonito da missão são as pessoas. É por causa das pessoas que Deus nos convida a partir. A missão são rostos: em primeiro lugar, o rosto de Cristo, sedento de amor por todos e, em especial, pelos mais abandonados; depois, o rosto de todas as pessoas com quem nos cruzamos e partilhamos aquilo que somos. Por vezes partilhámos apenas a nossa presença, o estar, como o fizemos com as visitas aos doentes. A verdade é que essa partilha tão simples levou alguns a dizerem aos jovens que estes foram uma bênção de Deus para eles, os doentes. E os jovens deixaram-se tocar tanto. Eu tive a graça de ir acompanhando os que pretendiam ter alguma conversa sobre o que lhes ia na alma, sobre o caminho interior que iam fazendo e digo-vos que muitas vezes fiquei de coração cheio com as partilhas, com as maravilhas que Deus ia operando no coração de cada um. Só um Deus amor é capaz de realizar as maravilhas que o nosso Deus realizou nestes jovens do Fé e Missão.

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No fim, despedi-me de Carapira. A despedida foi serena pois no meu coração senti a alegria de que não disse “Adeus” mas sim “Até já”. Pode até ter sido um “Adeus” a Carapira mas, no meu coração, foi um “Até já” à missão além fronteiras. Queira Deus que assim seja!

Termino com um pequeno Magnificat pessoal que escrevi desde Carapira até ao aeroporto de Nampula:

 

A minha alma glorifica ao Senhor,

Louvo e bendigo a Deus por todas as maravilhas que voltei a viver em Moçambique.

O pouco que sou e dei, o Senhor multiplicou em graças e dons

Transformados em simples gestos de entrega e partilha.

Louvado seja Deus!

A mim e a todo o grupo do Fé e Missão, o Senhor encheu o nosso coração de maravilhas,

Traduzidas num simples “Ehali”, num sorriso ou num simples olhar.

Louvado seja Deus!

Ao contemplar a beleza natural deste lindo jardim que é Moçambique,

Glorifico a Deus por todas as obras da Sua Criação,

Por tanto amor!

Perante os inúmeros sinais da presença de Deus, que vivemos e contemplámos

Só posso dizer: Deus é Grande!

E a sua grandeza manifesta-se em tudo e todos,

Incluindo em mim e na minha fragilidade!

Louvado seja Deus!

 

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 Pedro Nascimento

Primeiros dias da LMC Marisa em Moçambique (parte III)

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Quinta feira, 17 de agosto de 2017

Esta manhã fui pela primeira vez ao bairro, à comunidade. No caminho de regresso o meu coração vinha cheio de alegria. Brinquei com as crianças. Àquelas que me falavam em macua, não consegui compreender o que me diziam. Assim como elas não me compreendiam também. Mas rimos e brincamos, e com esta alegria de sermos crianças conseguimos assegurar afetivamente alguma comunicação não verbal. Com as crianças, até agora, pelo menos, tem funcionado…

Ao passar na entrada da escola, à conversa com Sérgio estava uma senhora. Cumprimentamo-nos:

- Salama! Ihàli?

- Salama! Khinyuwo?

E não deu para mais. Se não contasse com a ajuda de Sérgio, não teria percebido o que a senhora me tentava comunicar. Por um lado, sentia-me agradecida: pela senhora que, mesmo compreendendo que eu precisava de tradução sistemática, não desistiu de falar comigo e de me contar como estava a família e saúde; pela pessoa que me acompanhou e traduziu pacientemente a conversa. Por outro lado, sentia-me envergonhada por não conseguir alcançar o que me estava a ser dito (não só ali, naquele bocadinho, mas durante toda a manhã, e noutros momentos singulares durante a semana, exemplarmente, na eucaristia de Domingo que fora celebrada em língua Macua).

“Depender de traduções exige paciência e humildade… ajoelha-te Marisa, faz-te pequena e sente-te grata”, consolei-me. 

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Voltei a casa. Estava a arrumar umas coisas quando ouço uma voz jovem:

- Hoti? (Dá licença?)

- Hotìni (faça favor), respondi.

Abri a porta e uma jovem esperava-me com um sorriso. “Oh, bolas! Estou sozinha em casa… se me vem pedir ajuda para o que quer que seja, eu não sei como lhe responder porque ainda não conheço nada…”, pensava enquanto saía...

- Sou Ancha, ouviste falar de mim? Vim me apresentar e dar as boas vindas…

Lá conversamos durante um bocado. «Tempo» … as pessoas aqui conversam e “gastam” tempo uns com os outros - desinteressadamente. Aquele preliminar foi mais uma lição. Aprende, Marisa.

À despedida disse-me qualquer coisa em macua. Não compreendi nem consegui devolver-lhe uma resposta. “Tenho que aprender qualquer coisa de macua… é o mínimo que sinto que posso fazer, para já, como reconhecimento a tamanha hospitalidade do povo…”, disse para mim mesma ao entrar em casa.

Ainda assim… apesar do desconforto que podemos sentir quando não sabemos alguma coisa, não saber «nada» também traz alguma saúde interior e criatividade.

Primeiros dias da LMC Marisa em Moçambique (parte II)

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Sexta feira, 11 de agosto de 2017

Esta tarde, eu e a Kasia, retomamos caminho, agora para Carapira, onde está a nossa missão, a nossa casa. Pelo caminho deliciei-me com a paisagem. A minha primeira ou ‘maior’ impressão de África, de Moçambique, é o espaço – um espaço a perder de vista e em que todos os caminhos são longos, em que há um silêncio da própria paisagem que se faz sentir dentro de nós. Uma paisagem infinda que pede um tempo paciente e demorado para a contemplação. Confio que seja impossível não se ficar extasiado com esta poesia que habita o mundo e que é uma imensidão, o horizonte de Deus.    

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À noite, depois do jantar, recebemos em nossa casa um casal de leigos locais, os Professores Martinho e Margarida, as Irmãs Combonianas (Irmãs Clarinda, Eleonora, Maria José e Teresinha), o Irmão Luigi e o Padre Firmino. Foi um momento bonito e alegre de convivência que provou, uma vez mais, o sentido de hospitalidade, sobretudo, que aqui se vive.

 

Quarta feira, 16 de agosto de 2017

Acordei esta noite a pensar que a hora para me levantar estaria próxima. A falta de luz, dentro e fora do quarto, diziam-me que não. Peguei na lanterna, apontei para o relógio pousado junto à cama e os ponteiros confirmaram-me que era noite, e bem noite. Tinha, pelo menos, umas três horas até aos primeiros sinais do dia.  Não consegui adormecer. Sentei-me na cama, encostei-me à parede e descansei na quietude tão singular que aqui se encontra em horas como aquela. “Que paz!”, pensava, enquanto lembrava aquela bonita expressão que tanto sentido me fez de S. João da Cruz - “a noite é o tempo da casa sossegada”.