UM LEIGO VOLUNTÁRIO EM MISSÃO HOSPITALEIRA EM TIMOR-LESTE
O nosso amigo Mário, em missão em Timor-Leste com os Irmãos Hospitaleiros de São João de Deus, escreve-nos contando um pouco sobre a missão para a qual foi destinado. É com alegria e gratidão que podemos revisitar o que connosco partilha.
A missão dos Irmãos Hospitaleiros de S. João de Deus em Timor-Leste baseia-se na Casa de Formação em Díli e no Centro de Apoio à Saúde em Laclubar, distrito de Manatuto. É neste Centro que tenho estado a colaborar como voluntário desde início de outubro de 2019.
O Centro tem como missão principal o internamento temporário de pessoas com doença mental grave, com vista à sua estabilização, recuperação e reintegração familiar e social. Também faz o acompanhamento, a nível nacional e em articulação com os serviços de saúde distritais, de outros pacientes que permanecem em suas casas medicados.
Para levar a cabo estes objetivos, conta atualmente com o trabalho de uma enfermeira especialista em Saúde Mental e Psiquiatria (portuguesa), mais dois enfermeiros generalistas, de um médico de clínica geral, bem como de auxiliares de internamento, educadoras, responsável administrativa e técnicos de manutenção e apoio geral. Além disso, é também aqui o local de formação para os jovens aspirantes a futuros irmãos de S. João de Deus, no seu primeiro ano, junto dos doentes e necessitados como é o carisma hospitaleiro. Todas estas atividades estão sob a responsabilidade do Diretor do Centro e superior da comunidade de irmãos, o irmão-sacerdote José Manuel Leonardo Machado.
Qual o lugar para um leigo voluntário neste contexto? É dispensável, como apoio complementar ao quadro de pessoal? Talvez, tendo em conta os colaboradores existentes. Pode ser útil e benéfica a sua presença? Cremos que sim, como em qualquer outra situação de voluntariado, em que dar o seu tempo e afeto pode ser testemunho de amor e hospitalidade.
Em colaboração com a equipa de monitoras-educadoras, que desenvolvem várias atividades ocupacionais com os pacientes ao longo da semana, fui procurando desde início observar, conhecer e acomodar-me de forma construtiva, no respeito pela realidade existente. Progressivamente, participo e intervenho em:
- Atividades lúdicas, para estimulação de capacidades pessoais e promoção do bem-estar: jogos diversos, desenho e pintura, exercício físico, caminhada, canto e dança
- Momentos de formação, sobre vários temas: promoção da saúde mental, importância da medicação, higiene pessoal e ambiental, civismo, geografia dos distritos, preparação para a alta
- Tarefas que exercitam os pacientes para a vida do dia-a-dia na reinserção familiar: limpeza dos jardins e recolha desses lixos, ida ao mercado, ajuda na limpeza do internamento; são os pacientes que põem a mesa e lavam a loiça (rotativamente) e são ajudados a lavar a sua roupa.
As principais limitações e dificuldades na ação voluntária, seja com os pacientes seja com os colaboradores, têm a ver com a comunicação. O conhecimento dos hábitos, tradições e valores é importante para a compreensão de atitudes e comportamentos e para não sentir estranheza perante o que é diferente.
Além disso, poder compreender e falar Tetum, a língua de comunicação natural em Timor-Leste (e que permite o diálogo entre a quase vintena de línguas locais) é uma necessidade fundamental para a integração e relação com as pessoas. Embora o Português seja também língua oficial, é conhecido e utilizado sobretudo na administração pública e contextos profissionais diferenciados (como acontece nos países que foram colonizados). Aqui no interior, apenas algumas pessoas falam um pouco em Português; não esqueçamos que, durante os 24 anos da ocupação indonésia, a língua portuguesa foi banida das escolas e a retoma demorará o seu tempo. O Português será sempre uma segunda língua, aprendida como língua estrangeira. Por isso, também os missionários, voluntários e profissionais estrangeiros devem aprender Tetum se querem uma integração plena.
Neste sentido, para além do estudo inicial que realizei antes de vir (e que acho indispensável), procuro ir aprendendo no dia-a-dia mas é sempre insuficiente para estabelecer uma conversação para além do trivial. Ter atenção que aquilo que se tenta dizer nem sempre corresponde ao que a outra pessoa entendeu.
Como voluntário psicólogo, isto limita a comunicação com os doentes, embora na sua generalidade não tenham indicação para psicoterapia, como acontece neste grau de doença. Ainda assim, a intervenção e o olhar na perspetiva psicológica da compreensão das limitações e necessidades de cada doente, das atitudes que servem e que não servem a sua recuperação e bem-estar, pode ser um contributo importante.
Além disso, tenho ensinado Português a um grupo de jovens. E tenho articulado com a Fundação S. João de Deus a adoção para Timor-Leste do novo método de gestão das bolsas de estudo de mérito (BEM), através da Internet, e trabalhado na preparação dos conteúdos de cada bolseiro a colocar nesse sítio.
Acima de tudo isto, estou aqui porque sou cristão e porque partilho os valores da hospitalidade e da missão. Há cerca de um ano deixei de trabalhar profissionalmente, era hora de poder partir e dar algo de mim pelos irmãos em necessidade.
"Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, sou como um bronze que soa (…) ainda que eu tenha tão grande fé que transporte montanhas, se não tiver amor, nada sou (…)" (1 Cor 13). A leitura da Palavra e a oração são o alimento espiritual que nos dá o amor, a vontade e a persistência, mesmo quando vacilamos ou nos parece que temos pouco para dar. Assim, participar em momentos de oração e Eucaristia - com a comunidade dos irmãos, com os pacientes e colaboradores, com a comunidade paroquial de Nossa Senhora da Graça - faz parte indispensável da missão, preenche-me de alegria e de amor, faz-me sentir parte da Igreja.
Que o Senhor da Vida, seu Filho Jesus, nossa Mãe Maria, São João de Deus e São Daniel Comboni iluminem a nossa vida no serviço constante a quem sofre ou tem necessidade!
Laclubar, 31 de dezembro de 2019
Mário Breda